Um olhar humanitário é preciso, não para explorar sua mão-de-obra, mas refletir. o texto a seguir, de Rita Siza, nos remete para essa reflexão.
Por que é que ninguém chama refugiados aos imigrantes da América Central?
Sucessivas administrações norte-americanas “encorajaram” a
peregrinação para Norte. Agora, os políticos promovem formas de os
impedir de entrar no país.
Centenas de hondurenhos, salvadorenhos,
guatemaltecos e mexicanos arriscam a vida, todos os dias, para transpor a
fortificada fronteira Sul dos Estados Unidos e construir uma nova vida
longe da pobreza extrema, da violência dos gangues armados e do
narcotráfico, da instabilidade política e até dos desastres naturais dos
seus países. É um fluxo constante e que tem incendiado o debate
político eleitoral norte-americano – mas o que os candidatos
presidenciais andam a prometer são novas fórmulas para impedir que estas
pessoas desesperadas consigam entrar.
Na América, ninguém fala como refugiados nestes milhares de pessoas, que vêm do chamado Triângulo Norte da América Central, mas também da Nicarágua, Colômbia e Venezuela: são considerados, para todos os efeitos, como migrantes que deixam os seus países em busca de trabalho, mesmo os menores de idade. Isto apesar de a maioria dos recém-chegados citar motivações políticas para a sua jornada, e pedir ajuda para solicitar asilo.
O fenómeno, que se verifica desde a década de 80, com picos de procura e períodos de acalmia, foi sendo alimentado pela sucessão de guerras civis e conflitos militares na região. Sucessivas administrações norte-americanas “encorajaram” a sua viagem, com regras especiais ou autorizações extraordinárias de residência por razões humanitárias para as populações afectadas. Mas, entretanto, a agulha virou, quando a procura passou a ser de migrantes económicos e o movimento fez prosperar redes de trabalhadores clandestinos.
Tal como os fugitivos da guerra da Síria, do Iraque, da Eritreia ou do Afeganistão que se acumulam às portas da União Europeia, também os latino-americanos que procuram a “terra prometida” dos Estados Unidos usam rotas testadas para o “contrabando” humano, e pagam a organizações criminosas para encetar a viagem em condições de extremo risco e enorme fragilidade.
Em fuga da violência
Têm sido sobretudo mulheres e menores a tentar fugir da violência das Honduras, El Salvador e Belize, os países com a maior taxa de homicídios do mundo segundo os números oficiais das Nações Unidas. Como nota Denise Gilman, especialista em imigração da Faculdade de Direito da Universidade do Texas, a sua situação enquadra-se no estatuto de refugiado, tal como definido pela legislação internacional, que lhes reconhece o direito à protecção de perigos existenciais, como a guerra e a violência ou a perseguição étnica ou religiosa.
Em 2013, havia 3,2 milhões de cidadãos naturais de países da América Central a residir nos EUA, 90% dos quais provenientes do Triângulo Norte formado por El Salvador, Guatemala e Honduras. Segundo os números do Migration Policy Institute, correspondiam a 7% do total de 41,3 milhões de imigrantes no país. Ao contrário de outros grupos de diferentes geografias – principalmente asiáticos e europeus –, estes imigrantes têm poucas habilitações escolares e profissionais, falam mal inglês e têm rendimentos muito inferiores à restante população: 22% das famílias imigrantes da América Central vivem em situação de pobreza nos EUA, mais do que os restantes imigrantes (18%) e os norte-americanos (10%).
No ano passado, a Administração Obama foi obrigada a tomar medidas extraordinárias para responder a um êxodo latino-americano sem precedentes, e particularmente à chegada de milhares de menores desacompanhados das famílias (cerca de 68 mil, em 2014). O Presidente, Barack Obama, classificou a situação como uma “crise humanitária”: é difícil imaginar os riscos que estas crianças e adolescentes corriam, para que as suas famílias arriscassem mandá-los sozinhos para um país estranho, reflectiu, justificando o “realojamento” extraordinário destas crianças com familiares já nos EUA.
Na sua edição de Agosto, a revista Report on the Americas, publicada pelo North American Congress on Latin America (NACLA), uma organização não-governamental, apresentava o caso de “Osvaldo”, um jovem de 16 anos das Honduras, que foi deportado na fronteira. O seu pai foi assassinado quando ele tinha um ano; quando tinha quatro, foi um tio, e aos cinco mataram o seu avô. Entre os seus oito e 14 anos, outros três tios foram abatidos a tiro; e aos 15 anos, pela primeira vez, tentaram matá-lo a ele. Decidido a escapar ao ciclo de violência, tentou fugir para os EUA, mas foi deportado pelo México ao chegar à fronteira.
No mesmo centro para imigrantes, estavam ainda “Evelin”, uma jovem de 15 anos grávida de sete meses e sob ameaça de morte do seu namorado e pai da criança; ou “Daniela”, uma menina de 13 anos que tentava escapar ao recrutamento da quadrilha Barrio 18 de El Salvador, uma das mais perigosas organizações armadas do país.
Passar mensagem
Entre 2010 e 2014, cerca de um milhão de cidadãos salvadorenhos, guatemaltecos e hondurenhos foram retidos na fronteira dos EUA ou do México e mais de 800 mil acabaram deportados. No último ano, o México reforçou a sua operação para barrar a passagem de imigrantes vindos da América Central e a pressão migratória sobre a fronteira dos EUA diminuiu para metade.
Mesmo assim, os serviços alfandegários detectaram uma nova tendência de aumento das entradas clandestinas a partir de Junho – na região do vale do Rio Grande, as detenções de imigrantes chegaram a um novo máximo de 750 num dia, informou o jornal Monitor da cidade de McAllen, uma das principais portas de entrada no estado do Texas.
De acordo com os dados oficiais do Centro de Imigração e Protecção de Fronteiras, no mês de Julho registou-se um novo recorde anual de detenções de menores que tentavam cruzar sozinhos a fronteira, uma média de 135 por dia. Desde o início do corrente ano fiscal (em Outubro de 2014), já foram detidos 30.862 menores – em Julho, foram 4177. Em comunicado, o departamento atribui este aumento à “degradação das condições [de vida] na América Central, com a pobreza e a violência a serem os factores primários”.
No entanto, o mesmo documento refere que apesar do aumento, “as detenções de indivíduos que transpõem ilegalmente a fronteira permanecem próximo do seu mínimo histórico”, num sinal de que as medidas encetadas produziram o efeito desejado.
A informação das autoridades federais mostra que em 2013 foram deportados 368.644 indivíduos. Um ano depois, no pico da chegada de latino-americanos, os EUA devolveram à procedência 315.943 pessoas.
“A narrativa oficial é de que os Estados Unidos são um país acolhedor e uma nação de imigrantes. Por isso é tão triste e irónico que esses valores se tenham perdido tão rapidamente no confronto político, e que se estejam a deter e deportar milhares de refugiados que em condições normais teriam direito a asilo, apenas para mandar uma mensagem para outros que possam estar a pensar em vir”, lamentou Cecilia Wang, que dirige o projecto de imigração da American Civil Liberties Union (ACLU), em declarações à Associated Press.
Drones contra imigrantes
A questão da imigração e controlo das fronteiras é politicamente explosiva e tomou de rompante controlo do debate, principalmente desde a entrada do magnata do imobiliário, Donald Trump, na corrida pela nomeação republicana à Casa Branca – que logo no anúncio da candidatura, denegriu os imigrantes mexicanos como “criminosos e violadores”. Além das declarações xenófobas, o candidato presidencial prometeu deportar todos os imigrantes a viver nos EUA sem visto e construir um muro de separação entre o México e os EUA ao longo dos 3182 quilómetros da fronteira Sul para impedir o acesso de novas vagas de migrantes – um projecto que orçou em 3,5 mil milhões de dólares.
Mas não é só Trump que tem utilizado o trunfo da imigração para se projectar na disputa republicana. Vários concorrentes falam na revisão da lei que atribui a cidadania automática a todas as crianças nascidas em território americano, e o antigo cirurgião Ben Carson, em segundo nas intenções de voto dos conservadores, até já avançou com a possibilidade de ataques com drones para “proteger” a fronteira da invasão das populações latino-americanas.
Na contracorrente, apenas o ex-governador da Florida, Jeb Bush, que é casado com uma mexicana, defende um sistema que permita a legalização da situação dos cerca de 11,3 imigrantes que entraram nos EUA sem autorização.
O grau de alarme e histeria da retórica política embate, porém, na realidade nua e crua dos números, que não só demonstram que depois de um aumento consistente do número de imigrantes entrados ilegalmente entre a década de 90 e o novo milénio (de 3,5 milhões para 7 milhões de pessoas), e de um pico em 2007, quando se estimava que mais de 12 milhões de residentes fossem indocumentados, a imigração ilegal está em queda nos Estados Unidos.
“A fronteira com o México está mais segura do que nunca esteve nos últimos 40 anos”, disse à NPR Marc Rosenblum, director do Migration Policy Institute, um think tank de Washington dedicado ao estudo das migrações.
Desde o ano 2000, apesar do reforço significativo dos meios de combate à imigração e da construção do muro na fronteira com o México, o número de apreensões caiu 80%, enquanto a probabilidade de detenção aumentou para o dobro. “Cerca de metade daqueles que tentam cruzar a fronteira a salto são detidos pelo menos uma vez”, notou Rosenblum, ressalvando que isso não quer dizer que não voltem a tentar as vezes que forem precisas até conseguirem finalmente entrar nos Estados Unidos.
Na América, ninguém fala como refugiados nestes milhares de pessoas, que vêm do chamado Triângulo Norte da América Central, mas também da Nicarágua, Colômbia e Venezuela: são considerados, para todos os efeitos, como migrantes que deixam os seus países em busca de trabalho, mesmo os menores de idade. Isto apesar de a maioria dos recém-chegados citar motivações políticas para a sua jornada, e pedir ajuda para solicitar asilo.
O fenómeno, que se verifica desde a década de 80, com picos de procura e períodos de acalmia, foi sendo alimentado pela sucessão de guerras civis e conflitos militares na região. Sucessivas administrações norte-americanas “encorajaram” a sua viagem, com regras especiais ou autorizações extraordinárias de residência por razões humanitárias para as populações afectadas. Mas, entretanto, a agulha virou, quando a procura passou a ser de migrantes económicos e o movimento fez prosperar redes de trabalhadores clandestinos.
Tal como os fugitivos da guerra da Síria, do Iraque, da Eritreia ou do Afeganistão que se acumulam às portas da União Europeia, também os latino-americanos que procuram a “terra prometida” dos Estados Unidos usam rotas testadas para o “contrabando” humano, e pagam a organizações criminosas para encetar a viagem em condições de extremo risco e enorme fragilidade.
Em fuga da violência
Têm sido sobretudo mulheres e menores a tentar fugir da violência das Honduras, El Salvador e Belize, os países com a maior taxa de homicídios do mundo segundo os números oficiais das Nações Unidas. Como nota Denise Gilman, especialista em imigração da Faculdade de Direito da Universidade do Texas, a sua situação enquadra-se no estatuto de refugiado, tal como definido pela legislação internacional, que lhes reconhece o direito à protecção de perigos existenciais, como a guerra e a violência ou a perseguição étnica ou religiosa.
Em 2013, havia 3,2 milhões de cidadãos naturais de países da América Central a residir nos EUA, 90% dos quais provenientes do Triângulo Norte formado por El Salvador, Guatemala e Honduras. Segundo os números do Migration Policy Institute, correspondiam a 7% do total de 41,3 milhões de imigrantes no país. Ao contrário de outros grupos de diferentes geografias – principalmente asiáticos e europeus –, estes imigrantes têm poucas habilitações escolares e profissionais, falam mal inglês e têm rendimentos muito inferiores à restante população: 22% das famílias imigrantes da América Central vivem em situação de pobreza nos EUA, mais do que os restantes imigrantes (18%) e os norte-americanos (10%).
No ano passado, a Administração Obama foi obrigada a tomar medidas extraordinárias para responder a um êxodo latino-americano sem precedentes, e particularmente à chegada de milhares de menores desacompanhados das famílias (cerca de 68 mil, em 2014). O Presidente, Barack Obama, classificou a situação como uma “crise humanitária”: é difícil imaginar os riscos que estas crianças e adolescentes corriam, para que as suas famílias arriscassem mandá-los sozinhos para um país estranho, reflectiu, justificando o “realojamento” extraordinário destas crianças com familiares já nos EUA.
Na sua edição de Agosto, a revista Report on the Americas, publicada pelo North American Congress on Latin America (NACLA), uma organização não-governamental, apresentava o caso de “Osvaldo”, um jovem de 16 anos das Honduras, que foi deportado na fronteira. O seu pai foi assassinado quando ele tinha um ano; quando tinha quatro, foi um tio, e aos cinco mataram o seu avô. Entre os seus oito e 14 anos, outros três tios foram abatidos a tiro; e aos 15 anos, pela primeira vez, tentaram matá-lo a ele. Decidido a escapar ao ciclo de violência, tentou fugir para os EUA, mas foi deportado pelo México ao chegar à fronteira.
No mesmo centro para imigrantes, estavam ainda “Evelin”, uma jovem de 15 anos grávida de sete meses e sob ameaça de morte do seu namorado e pai da criança; ou “Daniela”, uma menina de 13 anos que tentava escapar ao recrutamento da quadrilha Barrio 18 de El Salvador, uma das mais perigosas organizações armadas do país.
Passar mensagem
Entre 2010 e 2014, cerca de um milhão de cidadãos salvadorenhos, guatemaltecos e hondurenhos foram retidos na fronteira dos EUA ou do México e mais de 800 mil acabaram deportados. No último ano, o México reforçou a sua operação para barrar a passagem de imigrantes vindos da América Central e a pressão migratória sobre a fronteira dos EUA diminuiu para metade.
Mesmo assim, os serviços alfandegários detectaram uma nova tendência de aumento das entradas clandestinas a partir de Junho – na região do vale do Rio Grande, as detenções de imigrantes chegaram a um novo máximo de 750 num dia, informou o jornal Monitor da cidade de McAllen, uma das principais portas de entrada no estado do Texas.
De acordo com os dados oficiais do Centro de Imigração e Protecção de Fronteiras, no mês de Julho registou-se um novo recorde anual de detenções de menores que tentavam cruzar sozinhos a fronteira, uma média de 135 por dia. Desde o início do corrente ano fiscal (em Outubro de 2014), já foram detidos 30.862 menores – em Julho, foram 4177. Em comunicado, o departamento atribui este aumento à “degradação das condições [de vida] na América Central, com a pobreza e a violência a serem os factores primários”.
No entanto, o mesmo documento refere que apesar do aumento, “as detenções de indivíduos que transpõem ilegalmente a fronteira permanecem próximo do seu mínimo histórico”, num sinal de que as medidas encetadas produziram o efeito desejado.
A informação das autoridades federais mostra que em 2013 foram deportados 368.644 indivíduos. Um ano depois, no pico da chegada de latino-americanos, os EUA devolveram à procedência 315.943 pessoas.
“A narrativa oficial é de que os Estados Unidos são um país acolhedor e uma nação de imigrantes. Por isso é tão triste e irónico que esses valores se tenham perdido tão rapidamente no confronto político, e que se estejam a deter e deportar milhares de refugiados que em condições normais teriam direito a asilo, apenas para mandar uma mensagem para outros que possam estar a pensar em vir”, lamentou Cecilia Wang, que dirige o projecto de imigração da American Civil Liberties Union (ACLU), em declarações à Associated Press.
Drones contra imigrantes
A questão da imigração e controlo das fronteiras é politicamente explosiva e tomou de rompante controlo do debate, principalmente desde a entrada do magnata do imobiliário, Donald Trump, na corrida pela nomeação republicana à Casa Branca – que logo no anúncio da candidatura, denegriu os imigrantes mexicanos como “criminosos e violadores”. Além das declarações xenófobas, o candidato presidencial prometeu deportar todos os imigrantes a viver nos EUA sem visto e construir um muro de separação entre o México e os EUA ao longo dos 3182 quilómetros da fronteira Sul para impedir o acesso de novas vagas de migrantes – um projecto que orçou em 3,5 mil milhões de dólares.
Mas não é só Trump que tem utilizado o trunfo da imigração para se projectar na disputa republicana. Vários concorrentes falam na revisão da lei que atribui a cidadania automática a todas as crianças nascidas em território americano, e o antigo cirurgião Ben Carson, em segundo nas intenções de voto dos conservadores, até já avançou com a possibilidade de ataques com drones para “proteger” a fronteira da invasão das populações latino-americanas.
Na contracorrente, apenas o ex-governador da Florida, Jeb Bush, que é casado com uma mexicana, defende um sistema que permita a legalização da situação dos cerca de 11,3 imigrantes que entraram nos EUA sem autorização.
O grau de alarme e histeria da retórica política embate, porém, na realidade nua e crua dos números, que não só demonstram que depois de um aumento consistente do número de imigrantes entrados ilegalmente entre a década de 90 e o novo milénio (de 3,5 milhões para 7 milhões de pessoas), e de um pico em 2007, quando se estimava que mais de 12 milhões de residentes fossem indocumentados, a imigração ilegal está em queda nos Estados Unidos.
“A fronteira com o México está mais segura do que nunca esteve nos últimos 40 anos”, disse à NPR Marc Rosenblum, director do Migration Policy Institute, um think tank de Washington dedicado ao estudo das migrações.
Desde o ano 2000, apesar do reforço significativo dos meios de combate à imigração e da construção do muro na fronteira com o México, o número de apreensões caiu 80%, enquanto a probabilidade de detenção aumentou para o dobro. “Cerca de metade daqueles que tentam cruzar a fronteira a salto são detidos pelo menos uma vez”, notou Rosenblum, ressalvando que isso não quer dizer que não voltem a tentar as vezes que forem precisas até conseguirem finalmente entrar nos Estados Unidos.
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